A Vida na Fazenda Modelo
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A Vida na Fazenda Modelo


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A Vida na Fazenda Modelo
Marcel Benedeti

Ele nasceu naquela fazenda e lá era tudo o que conhecia deste mundo. Na verdade, ele nunca teve sequer a oportunidade de conhecer o que existia fora daqueles limites de terras, apesar de toda sua curiosidade.

Desde muito jovem acostumou-se à vida rústica do campo, pois a sua vida se resumia a trabalhar e trabalhar. Tornou-se adolescente e mostrou alguma aptidão para o trabalho, imediatamente foi levado à roça onde trabalhava a terra para o cultivo de café com o pai, a mãe e alguns outros companheiros.

Alguns não eram dados ao trabalho e nunca trabalharam, mas o patrão nem ligava para isso e ainda lhes premiava com fartas refeições. Ele era uma pessoa muito boa, mas algumas vezes parecia ingênuo. Imagine! Premiar o corpo mole.

O patrão deveria saber o que fazia. Ao final da tarde, depois de cada dia sob o sol, nada melhor do que descansar um pouco ao lado de sua mãe e de seu pai. Ambos, também, trabalhadores incansáveis. Para eles não existia tempo frio nem quente demais, mas, ao menos uma vez por semana, descansavam para que os músculos pudessem relaxar à espera da semana seguinte de trabalhos. A família trabalhava sempre junta, cada qual procurando dar o máximo de si, para agradar ao patrão, que sempre se mostrou uma pessoa justa e boa que nunca deixava faltar o alimento do dia-a-dia.

Certa ocasião alguém chegou perto de seu pai e o levou à presença do patrão. Deveria ser algo muito importante, pois era a primeira vez que o pai ia sozinho até ele. Aparentemente era algo que eles dois não poderiam saber. Algo grave deve ter acontecido pois o pai não retornou naquele dia e foi visto partindo em um caminhão, com outros companheiros. Todos estavam muito tristes. Algo grave deve ter acontecido, mas o filho preocupado teria de esperar pela volta do pai para saber o que o preocupou tanto. Certamente voltaria logo.

O jeito era aguardar e continuar trabalhando. Afinal era para isso que o patrão o pagava. Para trabalhar. E ele se sentia na obrigação de retribuir todo o carinho que recebia do patrão trabalhando. Afinal lhes dera um bom lugar para morar e a comida era das melhores.

Mas os dias se passaram e o pai não retornou, o que poderia ter acontecido? Por que o pai e os outros que foram juntos não voltaram. Teria acontecido algo no caminho. Certamente o patrão não deixaria algo de ruim acontecer ao pai. Afinal era o melhor trabalhador. Ele era o que conntribuía com os maiores lucros da fazenda.

O patrão não deixaria que algo de ruim acontecesse ao seu pai. Ele confiava no patrão como se de fosse seu próprio pai.

Mais um dia de trabalho sem o pai, mas a mãe continuava ali. Um tanto triste pela ausência do marido, mas sempre disposta ao trabalho.

Contudo o patrão merecia toda aquela devoção, afinal, pois ele era um homem muito bom. Mas algo o fez esquecer por instantes a ausência do pai.

A mãe se acidentou ao escorregar em uma poça de lama e fraturou a perna esquerda.

Foi horrível vê-la sem poder fazer nada para ajudar. Ela gritava de dor, mas nada podia fazer, exceto chamar pelo patrão para que ajudasse. Foi o que fez. Gritou com todas as forças de seus pulmões tentando chamar a atenção do patrão que estava longe.

Logo vieram duas pessoas que conversavam sobre o caso de minha mãe.

Claro que conversavam sobre o melhor tratamento para ela. Não demorou muito e a colocaram no caminhão e a levaram. Logo ela deve voltar. O jeito é não pensar muito e tentar esquecer de tudo, trabalhando. Então voltou a trabalhar para não se lembrar que o pai se demorava muito e não se preocupar com a saúde da mãe. O patrão é muito bom e cuidará bem dela.

Muitos dias se passaram sem que o pai ou a mãe voltassem, mas o patrão deveria estar cuidando de tudo .

Muitos meses se passaram sem notícias dos pais, até que o patrão veio em direção aos companheiros de trabalho, que descansavam naquele domingo. Ele vinha acompanhado de um senhor que ele reconheceu como o que conduziu o caminhão no dia em que seu pai se foi. Talvez tivesse, finalmente, notícias dos pais.

Mas os dois nada diziam e somente os observavam enquanto anotavam algo em uma folha de papel e apontavam para alguns dos trabalhadores que aproveitavam o dia para descansar.

Quando aquele senhor apontou para ele, na verdade, ficou feliz. Talvez o levassem para onde os pais estavam.

Feliz como estava se aproximou daquele senhor e o beijou no rosto. Mesmo não o conhecendo sentiu que deveria fazer isso em agradecimento antecipado pelo que iria fazer por ele. O patrão riu com o desconhecido estranhando o comportamento inesperado. Em seguida saíram dali. Não demorou muito vieram buscá-los para irem ao caminhão.

A viagem era longa. Três horas na caçamba de um caminhão era cansativo, mas ao final do dia chegaram ao destino onde outros já aguardavam ansiosos.

O único que parecia feliz com a viagem era ele, que esperava encontrar os pais, pois todos os demais e os que já estavam ali pareciam taciturnos e cabisbaixos. Parecia uma grande reunião onde vários trabalhadores rurais se encontravam. O que ele estranhou foi o fato de haver várias pessoas andando entre os companheiros, gritando e gesticulando bruscamente. Alguns dos companheiros se assustavam e empurravam-se entre si. De repente o jovem do interior sentiu uma fisgada nas pernas.

Um dos homens, que segurava um objeto nas mãos, aplicava descargas elétricas nas suas pernas obrigando-o a correr dali assustado para outro canto, que parecia ser mais seguro. Quem seriam aqueles homens estranhos e de comportamentos tão agressivos?

O que pretendiam com toda aquela agressão?

Depois daquele comportamento, no mínimo estranho dos desconhecidos e mesmo sem saber o que pensar a respeito aguardou, ansioso, por algo. Esticando o seu corpo ele levantou o pescoço para tentar encontrar o patrão ou seus pais, mas quase todos eram estranhos. Onde estaria seu patrão? E os pais? Enquanto pensava, vários dos companheiros começaram a correr em sua direção obrigando a correr também para não ser pisoteado.

O que aqueles homens pretendiam com aqueles choques. Parecem malucos. Que brincadeira sem graça. A julgar pelo comportamento excessivamente agressivo, não parecia ser nenhuma brincadeira. Melhor seria não ficar perto deles. Os companheiros assustados se aglomeravam em um canto que se tornava cada vez mais apertado e o único caminho a seguir era um corredor estreito por onde teriam de fazer fila única para atravessar.

Tudo isso só para fazer com que passassem por aquele corredor. Talvez se pedissem fosse mais fácil. Não precisavam ser agressivos. Para evitar mais choques, obedeciam. Então todos começaram a seguir pelo corredor onde uma porta se abria e fechava rapidamente no final dele.

O portão se aproximou lentamente e logo seria a sua vez de atravessá-lo. Por que tanta demora em passar? Talvez ou o patrão ou os pais estivessem do outro lado.

Finalmente chegou a sua vez e a porta se abriu. Depois de permanecer muitos minutos naquele corredor estreito e escuro, uma luz intensa ofuscou sua visão, dificultando sua vista.

Rapidamente ele atravessou o portão à procura de alguém que conhecesse, mas parecia que aquele lugar não dava para lugar algum.

Olhou para um lado e depois para o outro. Não havia saída. Que estranho! Para onde teriam ido todos os que o precederam? Não havia para onde ir, então o melhor era esperar. Talvez alguém mostrasse o caminho.

Repentinamente sentiu que alguém apagou as luzes e sentiu uma enorme dor de cabeça, como se um enorme peso comprimisse seu crânio. Quanta dor.

Sentiu uma tontura, como se sua cabeça girasse, mas ainda assim conseguiu olhar para cima e viu uma pessoa segurando uma enorme marreta inteiramente manchada de seu sangue. Aquela atitude o deixou confuso.

O que ele teria feito para ser tão covardemente agredido? Em seguida sentiu que o chão lhe faltava e rolou para dentro de um lugar, no mínimo macabro, onde havia corpos de amigos seus espalhados por todos os lados.

Alguns decapitados e outros esfolados. Ao seu lado percebeu que tinham várias cabeças sem corpo empilhadas umas sobre as outras. Aquilo parecia um pesadelo. Certamente logo acordaria e ele riria do mau sonho e sua vida voltaria ao normal. Em seguida sentiu seus pés sendo atados por correntes e seu corpo foi elevado, deixando-o pendurado de cabeça para baixo.

A pressão em sua cabeça aumentou ainda mais. A dor parecia insuportável, quando alguém se aproximou dele portando uma enorme faca. O que ele pretendia com aquele objeto cortante?

A resposta veio com um golpe em sua jugular. O sangue escorria por seu pescoço, formando poças.

Em seguida, outro golpe rompeu seu abdome e sua pele, que atada a um aparelho lhe foi arrancada como se fosse uma blusa retirada a força. A dor era terrível. Queria gritar, mas não podia. Sua voz sufocada chamava por seus pais.

Quando achou que não mais suportaria tal dor, viu uma luz.

Parecia ser a luz do sol. A dor sumiu finalmente. Não estava mais pendurado por correntes e não havia mais sinal de nenhum de seus carrascos. Parecia impossível ter sobrevivido, mas ele estava se sentindo vivo, quando viu seus pais ao seu lado, acompanhados por algumas pessoas vestidas de longos aventais brancos. A alegria do reencontro o fez esquecer do sofrimento que passou há pouco.

Um dos que acompanhavam seus pais disse:

"Algum dia isso acabará. Algum dia as pessoas não mais matarão irmãos sejam bovinos suínos eqüinos caprinos ou qualquer que seja para se alimentarem. Algum dia, os humanos encarnados perceberão que estão fazendo consigo mesmos e deixarão de se alimentarem com as carnes de seus próprios irmãos".

Artigo.: A Vida na Fazenda Modelo
Por.: Marcel Benedeti

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