Medicina e o Espiritismo
Espiritualidade

Medicina e o Espiritismo


Medicina e o Espiritismo
Autor: Marcos Paterra

No Brasil, a relação entre religião e medicina, há décadas, vem sendo abordada com uma certa freqüência na imprensa e em publicações específicas. Geralmente através da mídia chega-se de dois modos a imagem de práticas religiosas de cura: associadas às instituições religiosas ou a certos agentes populares de cura (benzedores, rezadores, videntes) que atuam, autonomamente, desvinculados de instituições e movimentos religiosos. Ambos são sempre reconhecidos pela medicina como curandeiros ou charlatões, passíveis de penalidades de acordo com o Código Penal Brasileiro. Quanto às publicações específicas é tradicional, entre as Ciências Sociais, o interesse pela temática dentro do campo religioso. Nesse contexto científico, as religiões brasileiras tornaram-se objeto de estudo, entre elas as religiões mediúnicas, que se caracterizam por um elemento comum: a manifestação do transe (candomblé, umbanda, pentecostais, espiritismo ).

As religiões afro-brasileiras são as que mais aparecem, seja pelo número de adeptos, popularidade ou influência na cultura nacional. É possível encontrar trabalhos científicos, que focalizam a clientela e a demanda de tratamento e cura religiosas, os quais têm valor importante na análise da constituição dessas religiões.

Foram identificados estudos sobre práticas religiosas que se desenvolvem no interior de hospitais psiquiátricos, em cujo espaço organizam-se terapêuticas religiosas aplicadas de maneira complementar ao tratamento tradicional da Psiquiatria. Mais detalhadamente, o hospital espírita é um espaço relacional onde profissionais da saúde e espíritas convivem e atuam efetivamente desde os anos de 1950.

Desde o início, pareceu contraditória a existência desse tipo de hospital, uma vez conhecida de todos a secular relação antagônica entre a medicina e religião, que ocupa, em conseqüência disso, campos de atuação distintos e autônomos. Por outro lado, mesmo diante da importância contingente dos hospitais psiquiátricos espíritas no Brasil não foi encontrada nenhuma referência a eles na literatura médica, antropológica, sociológica ou historiográfica, apesar de alguns trabalhos mencionarem timidamente tais instituições, inseridas no contexto assistencial da religião espírita. A existência de hospitais espíritas, mencionando-os como grupo de atividades extensivas aos centros espíritas e não fazem outra nota fora desse ambiente religioso, inseridos no contexto assistencial da religião espírita. Por outro lado, o espaço dos hospitais psiquiátricos dirigidos por espíritas aparece também como lugar em que os espíritas praticam a religião de base reencarnacionista, que tem na prática da caridade e da mediunidade elementos importantes.

Levando-se em conta que o espiritismo traduz o espaço conjunto religioso e médico como um meio para legitimar os princípios religiosos, deve-se levar em conta que estas instituições sociais se constituem também em meios de assistência médica, imprescindível à própria prática médica e à assistência à saúde da população, enquanto prestadora de serviços médicos assistenciais, segundo a sua relação com a biomedicina e a política governamental de saúde.

Importantes relações entre espiritismo e cultura letrada, levantando as características de uma `religião do livro`, peculiarmente às práticas de cultura letrada no transe mediúnico, cujo exemplo de privilégio à escrita nas comunicações psicografadas.

Discussões grupais na escola espírita, onde o conteúdo do sistema de crenças e a cultura bibliográfica são atualizados pela participação efetiva dos adeptos na religião por meio de práticas vinculadas a uma socialização no mundo escolar e erudito da sociedade (citações, leitura, prece, oratória, doutrinação).

A obra de André Luiz (escritos psicografados por Francisco Candido Xavier) dentro da hipótese de que o Espiritismo constituiu-se de uma tradição da cultura escrita, funcionando como memória cultural do grupo. Essa perspectiva não poderia ser descartada uma vez que, para nós, esse corpusliterário é a composição elementar do capital cultural do profissional da saúde, que carrega valores da crença espírita, além dos valores cognitivos incorporados pelas ciências médicas. O capital cultural está retratado na etnografia que fez, em que traduziu a leitura e a fala dos espíritos enquanto autoridade textual, formadora de uma unidade da oralidade. No entanto, o autor deixou de explorar, na obra de André Luiz, a parte que diz respeito às concepções das doenças em geral e das deficiências mentais em particular, fundamentais na estrutura simbólica em que se propõe o escritor mediúnico em comparação ao escritor não-mediúnico (por exemplo, o médico convertido ao espiritismo, Bezerra de Menezes), principalmente considerando-se a possibilidade da literatura espírita estender-se à publicação de autoria de médicos espíritas, atualmente autores de teses espíritas igualmente importantes para análise da cultura espírita.

Ressalta-se que, da crença na existência do espírito e do perispírito, lançada na base da doutrina de Allan Kardec, será com o médico Bezerra de Menezes, convertido ao espiritismo, que se inculca socialmente a crença na possibilidade de realização do projeto terapêutico espírita. Essa expectativa social, que segue paralelamente à prática religiosa do espiritismo religioso de Allan Kardec na base do exercício da mediunidade caritativa, juntamente com o espiritismo científico de MENEZES (1988), que estrutura as condições sociais de diagnosticar a doença mental sem lesão cerebral, reclama as posições sociais ainda não assumidas inteiramente por profissionais da saúde praticantes do espiritismo, dentro de espaços médicos no país. Nesse contexto, emergem na concorrência do projeto médico-espírita o sistema simbólico organizado pelo médium XAVIER (1959) pela escrita do espírito André Luiz. Médico desencarnado, André Luiz relaciona prática mediúnica com prática médica, cristalizando o poder simbólico no termo médico-espírita e a possibilidade da prática médico-espírita se realizar no espaço médico no país. Essa forma de poder transfigurado foi legitimado pelos sistemas conceituais anteriores de crenças consolidada no perispírito.

Nas relações com a medicina, o espiritismo busca reconhecimentos legais das práticas terapêuticas para lhes garantir, ao mesmo tempo, a perpetuação de sua estrutura cientificista que a religião, no seu interior, têm como fundamento, que mais servem de estratégia da religião para competitividade no campo religioso. É dessa maneira que se procura distinguir, de modo legítimo, das demais práticas de cura associadas a benzedores, rezadores e outros agentes de cura na sociedade (curandeiros ou charlatães).

Conseqüentemente, diferencia-se dos sistemas terapêuticos de outras religiões, garantindo igualmente a concorrência simbólica no mercado de bens de salvação no interior do campo religioso.

Medicina e o Espiritismo
Por.: Marcos Paterra (É Pesquisador e articulista do Movimento Espírita, reside em João Pessoa/PB)

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