Espiritualidade
A Espiritualidade como Qualidade de Vida
A Espiritualidade como Qualidade de Vida
Por.: Ir. Paulo Dullius, fsc
Antes de explicitar mais idéias sobre o tema acima, é preciso distinguir entre espiritualidade e nível espiritual. A espiritualidade é um conteúdo do nível espiritual da pessoa. Assumindo que a pessoa tem por constituição antropológica uma dimensão física, psíquica e espiritual, esta última explicita a dimensão de globalidade, de unidade, de visão geral. Em geral, a filosofia, a religião se ocupam mais desta dimensão. A espiritualidade é um desenvolvimento de conteúdos e de processos deste nível, mas na dimensão religiosa. Trata-se do sentido de vida que se orienta a partir de um conjunto de crenças, valores, princípios espirituais resultantes da adesão a uma pessoa, Deus, encontrando nela e em suas mediações a razão e o sentido da vida.
Desde tempos imemoriais a espiritualidade tem dado sentido, alegria, paz e harmonia de viver. A partir desta espiritualidade, pessoas têm redimensionado e reinterpretado o sentido do corpo ? seu e o dos outros ? a realidade material, o mundo, a dimensão psíquica interna e os relacionamentos com pessoas e com a sociedade em geral.
Resultando uma visão mais global, ela está em condições de unificar a vida e ser qualidade do viver. A união, a unidade, o sentido geral da vida é a maior nostalgia do ser humano. Toda ruptura, toda divisão, toda visão parcializada tende a quebrar e harmonia e diminuir o sentido geral. Rupturas sempre existem. Algumas delas desintegram o eu e outras levam-no ao crescimento. A proporção entre a qualidade e a força das experiências determina, até certo ponto, a qualidade do sentido existencial amplo.
Pode-se admitir que uma sadia e madura espiritualidade tem relação direta com a vida, com o amor, com a saúde. A espiritualidade existe em cada pessoa, mesmo que não seja tão explícita, e mesmo que não obedeça a uma opção fundamental bem estruturada ao redor de um tipo determinado de fé, de dogma, de culto, de expressão espiritual. A relação positiva entre espiritualidade e qualidade de vida aumenta na proporção em que aquela ? a espiritualidade ? está munida de bons conhecimentos e estes aliados a um mínimo de maturidade humana. Por isso, ela se constrói a partir de uma experiência pessoal que unifica e dá sentido a todo viver, especialmente quando é captado, seguido e reforçado desde o início da vida.
Para não me estender demasiado, prefiro optar por conteúdos e processos existenciais emergentes de dados fornecidos pelo inconsciente, em trabalhos terapêuticos ou em experiências de concentração profunda, oriundas, estas últimas de experiências místicas ou de exercícios de concentração focalizada ao ponto de alcançar certa inversão intrapsíquica e intraespiritual. Esta inversão tem como finalidade o acesso à máxima objetividade sobre o que dá a qualidade da vida e sobre o que a fere e dispersa.
Aqui quero partir daquilo que se define numa palavra sintética, de amor.
Amor é uma qualidade de ser e de interagir, estando no eu, no tu, e nos processos de relacionamento. Caracteriza-se como aceitação, acolhida, valorização, escuta, promoção, diálogo, respeito, bondade, ternura, alegria, unidade e assim por diante. Estas experiências envolvem a pessoa, o grupo, a sociedade e a instituição como um todo, bem como em cada uma de suas partes. A nível físico se expressa na acolhida, no direito à vida, na proteção, na alimentação, na moradia, no sustento e assim por diante. A nível psíquico significa alegria pela vida, pela presença, pelo existir e pelo fazer (valorização intrínseca e extrínseca), pela promoção, pelo cuidado de acesso a bens culturais e sociais, pela amizade, pelas boas oportunidades, pela companhia e segurança afetiva... A nível espiritual significa oferta e escolha de boas e sadias cosmovisões, sadias formas de envolvimento social, educacional, espiritual; oferta de ideologias realizantes e globais e assim por diante.
O inverso da qualidade de vida é proporcional ao desamor. Este se caracteriza por modo de ser e de agir que diminuem a vida, seu valor ou a destroem direta ou indiretamente. Todos conhecemos as diferentes formas de isolamento, de rejeição, de diminuição, de dominação, de agressividade, de desfiguração da dignidade humana. Não é difícil ver que não é grande o passo ao vazio existencial, à falta de sentido, à falta de um sadio desenvolvimento dos relacionamentos, da auto-estima e da auto-imagem. Conhecemos as diversas formas de agressão corporal, à falta de cuidado por si e pelos outros, as diversas formas de isolamento e diminuição da dignidade, as manipulações ideológicas, as explorações do afeto, da mente e das decisões... Tudo isso, nos diversos níveis diminui a qualidade de vida e falta aquela capacidade de amar, sobretudo aliada ao nível espiritual.
O amor se expressa em diferentes formas de saúde e de qualidade de vida.
Uma boa capacidade de amar, expressa na auto-estima interfere nas escolhas por qualidade de ser e de viver, com disposições físicas saudáveis, maior resistência imunológica, maior harmonia interior e maior auto-aceitação.
A incapacidade de amar e ter qualidade de vida expressa-se em diferentes formas diretas e indiretas de agressão a si e aos demais, umas levando até à morte mais direta outros mais indireta, num isolamento físico, numa convivência pouco humanizante.
A qualidade de vida, animada pela capacidade de amar, reflete-se na alegria de viver, em certo bom humor, em boa capacidade de aprendizagem, em boa capacidade de relacionamento e de cooperação, em boa auto-estima e segurança pessoal, em uma identidade mais solidificada e integradora da história pessoal e grupal, maior capacidade de empatia e de compreensão dos demais em suas semelhanças e diferenças, em maior objetividade entre as metas e as capacidades pessoas. O resultado é uma qualidade de vida saudável e harmoniosa.
Algo similar podemos falar da capacidade de amar a nível mais global e espiritual. Manifesta-se no sentido de vida, na harmonia interior, na alegria e na paz, na misericórdia, no equilíbrio ideológico, na capacidade profunda de comunicação, na gratuidade, na liberdade e felicidade interior. É neste nível, especialmente, que se situa a espiritualidade, entendida como capacidade de amar a nível amplo.
A partir destas colocações pode-se ver que uma sadia espiritualidade pressupõe até certo ponto de uma capacidade de amar e de ser amado a nível físico e psíquico, pressupõe uma opção fundamental ampla e explícita capaz de dar sentido e unificar a vida. Só é possível uma unificação profunda pessoal e social duradoura a partir de uma forte espiritualidade.
Numa síntese antropológica ? aquela descrita no mito de Adão ? podemos reafirmar uma dimensão aberta ao transcendente, à perfeição, mas dentro de uma realidade limitada, frágil, capaz de se perder na finitude e cair nesta limitação, neste mal que é anterior a nós, conterrâneo a nós e posterior a nós, que é interior e exterior a nós, que é individual e comunitário. A qualidade de vida vai depender da capacidade do uso de nossas forças afetivas, intelectuais, volitivas, expressas no nível físico, psíquico e espiritual. A qualidade de vida é proporcional à nossa capacidade de amar nas diferentes características antropológicas. A espiritualidade imatura é reflexo e obstáculo à qualidade sadia de vida; mutatis mutandis, uma espiritualidade integrada e integradora é o ápice da qualidade de amar e de qualificar a vida numa dimensão para curto, para médio e para longo prazos.
Como conclusão da qualidade de vida, a partir da espiritualidade, podemos citar uma palavra várias vezes citada na Bíblia: ?Amar a Deus com todo o coração, com toda a mente e com todas as forças, e ao próximo como a si mesmo?.
Artigo.: A Espiritualidade como qualidade de Vida
Por.: Ir. Paulo Dullius, fsc
FONTE.; SITE LASALLE EDU
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