NEFILIN
Espiritualidade

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A queda dos anjos vista pelos cristãos:

A tradição da queda dos anjos estava espalhada e existia na época do nascimento do cristianismo no Egito. Ainda hoje persiste na Síria, no Egito e na Etiópia, onde existem igrejas cristãs muito diferentes das nossas. Atualmente, a Igreja Cristã da Etiópia, ou Igreja Copta, mantém o Livro de Enoque em sua Bíblia, como documento oficial. Entre demais cristãos atuais é considerado apócrifo, o que não é de estranhar. Os primeiros padres da Igreja, e os principais pensadores cristãos dos três primeiros séculos conheciam Enoch. Também a Bíblia não era a que conhecemos. Até o século IV, Enoch fazia parte do ainda mal definido cânone. Familiar aos judeus e primeiros cristãos, Enoch foi um texto sagrado autêntico para Judas, Clemente, Barnabé, Tertuliano e outros primeiros padres (embora Jerônimo e Orígenes fizessem ressalvas). A influência desse livro foi tamanha que ele chegou citado até mesmo por críticos pagãos, como Celso, que estudou as Escrituras.

Como já visto anteriormente, na mais antiga tradição judaico-cristã, o pecado dos Anjos-caídos foi a luxúria e não o orgulho. Os Nefilins foram criação da união sexual entre anjos lúbricos e mulheres. Essa interpretação influente apresentada por muitos dos primeiros padres da Igreja é uma razão para Enoch ter sido posteriormente excluído do cânone. Eis o que os primeiros padres escreveram: Justino, martirizado em Roma em 165 d.C., explicou que alguns anjos violaram a ordem apropriada das coisas, cederam a impulsos sexuais e tiveram relações com mulheres, cujos filhos agora chamamos de demônios. [26] Esses demônios são a causa de assassinatos, adultérios e todos os outros males. Atenágoras, outro apologista cristão grego, escreveu (em 177) que o Diabo foi criado por Deus exatamente como Ele criara os demais anjos. O homem possui o livre-arbítrio para escolher entre bem e mal, e o mesmo vale para os anjos. O homem possui o livre-arbítrio para escolher entre bem e mal, e o mesmo vale para os anjos. Mas no passado alguns anjos sentiram desejo por virgens, tornaram-se escravos da carne, tiveram relações sexuais com elas e nasceram-lhes filhos que eram gigantes. Junto com as almas desses gigantes, os anjos que caíram do Céu assombram o ar e a terra; são os demônios que vagam pelo mundo. [27] Clemente de Alexandria, outro apologista importante, foi um pensador flexível e sutil na virada do século II. Condenado no século IX como herege pelo patriarca ilegalmente consagrado Fócio, Clemente foi eliminado do martirológio romano. Ele supôs que as verdades da filosofia grega haviam sido roubadas pelos gregos dos hebreus. Tanto os textos gregos como os hebreus misturam verdade e erro, sendo o Diabo a origem da confusão. Em última análise, argumentou clemente, todas as verdades da filosofia provêm dos anjos caídos; essa idéia deriva de Enoch. Um dos mais extraordinários apologistas cristãos foi o grande polemista Tertuliano (155-220 d.C.) Como a maioria dos criativos primeiros padres, Tertuliano converteu-se na meia-idade. "Pode alguém ser mais douto, mais perspicaz do que Tertuliano?", perguntou Jerônimo. Muitos termos "técnicos" cristãos usados hoje em latim foram cunhados por Tertuliano; pecado original, vitium originis, é um exemplo. Nada do que ele escreveu é inexpressivo, e a maior parte de seus textos conserva uma influência considerável. Esse vigoroso líder da Igreja norte-africana juntou-se aos montanistas, um rígido grupo de ascetas que acreditava na revelação progressiva, ensinamento condenado pela Igreja. Tertuliano, como Clemente, acreditava que os anjos celestes que tinham mantido relações sexuais com as filhas dos homens, tal como descrito em Enoch, revelaram muitas artes secretas, inclusive o mistério do kohl. Em prosa evocativa, Tertuliano serve-se de uma sentença de Enoch (cap. 8) e a expande para explicar que os anjos caídos ensinaram às mulheres:

«A radiância de pedras preciosas que com que se ornam colares em cores várias, os braceletes de ouro que envolvem seus braços, as preparações coloridas que se usam para tingir lã, e o pó negro [...] para realçar a beleza de seus olhos.»

Tertuliano fez inúmeras referências a Enoque. Em sua célebre Apologia, por exemplo, ele interpreta o Gênesis à luz de Enoch. Interpretaram o texto ao pé da letra e julgaram que o pecado do Diabo foi o desejo sexual. Apesar de tudo, no século V santo Agostinho afirmou, confiante: "Não há dúvida quanto ao fato de esses 'anjos' serem homens, e não, como crêem alguns, criaturas diferentes de homens". Em nossa época, assim como na de santo Agostinho, quando as pessoas dizem "não há dúvida", geralmente há... Santo Agostinho argumenta que os "filhos de Deus" eram anjos apenas no espírito, por isso se permitiram a perda da graça. Antes da queda, essas pessoas potencialmente superiores tiveram filhos não em conseqüência de seu arrebatamento sexual, mas com o intuito de "povoar de cidadão a cidade de Deus":

«Seja como for, eu nem sonharia em crer que foram os santos anjos de Deus a sofrer tal queda no presente caso [...] e não é preciso apelar para os textos que se apresentam sob o nome de Henoch e contêm as fábulas sobre gigantes [nem] a alguns textos sob os nomes de vários profetas e apóstolos que são divulgados por hereges.»

Enoch tornou-se um instrumento de hereges. Mas o que santo Agostinho não nos diz - e que de fato apenas estudos recentes revelaram - é que algumas seções desse livro, nos quais se mencionam gigantes, haviam sido "apropriadas" ou "tomadas antecipadamente" pelos mesmos maniqueístas que haviam ensinado santo Agostinho e a quem este depois repudiou. Bastou que santo Agostinho estigmatizasse esse livro como herético para que ele ficasse eficazmente enterrado por um milênio.

Mas o problema não estava inteiramente resolvido. Havia ainda um fragmento da queda dos anjos no Gênese que desde então passou a ser considerado pelos exegetas, como de difícil compreenção. As questões perturbadoras levantadas pelos leitores eram evidentes... Que grandes atrativos poderia ter o próprio paraíso se um expressivo grupo de 200 anjos preferiu deixa-lo - conscientes de que sem dúvida sofreriam uma horrível punição futura - só para fazer sexo com fêmeas humanas? O espírito racionalista dos teólogos que elaboraram as versões definitivas da Bíblia não podiam admitir algo assim. Era necessário dar uma explicação simples e compreensível, adequada ao povo... Por isso, a partir do século IV, em função de uma noção mais espiritual da natureza angélica, a literatura patrística começou a ver os "filhos de Deus" como a linhagem piedosa de Set, (que são espiritualmente os filhos de Deus) e as "filhas dos homens" como a descendência depravada de Caim. Também, posteriormente, os autores judeus interpretaram os "filhos de Deus" como filhos de príncipes e nobres. Assim, tanto os autores judeus como os cristãos evitaram o significado obvio: Que alguma barreira entre os filhos de Deus e os filhos dos homens foi rompida, não por orgulho ou inveja, mas por desejo sexual...

E como afirma a escritora Shirley Massapust:
A queda dos anjos não é o único tema tratado nestes livros, muitos conceitos cristãos tem sua primeira ocorrência em Enoque, particularmente o do Filho do Homem que se torna O Eleito e atua como juiz escatológico. O Juízo Final - um desdobramento de Mateus (25,31-3), que inclui a separação de bodes e ovelhas e o julgamento por Deus - parece derivar das Similitudes de Enoch. O abismo de Fogo, um reino infernal governado por Satanail e os anjos rebeldes, aparece primeiro em II Enoch. Apesar de sua comprovada influência, e de Enoch ter sido considerado um texto sagrado por teólogos importantes durante centenas de anos, quando o cânone foi definido com rigor, os teólogos responsáveis pela definição julgaram inaceitáveis algumas seções de Enoch, de modo que este foi deixado de fora.



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